Wednesday, August 31, 2005

Teias

A Morte de Ahmed



O pio tristíssimo da águia da montanha cortou a tarde que morria.
Ahmed Ibn Saud encontrara seu destino e sua morte. Como sempre, girassóis floriam nos jardins.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.
Mas alguns minutos e defrontaram-se contra o horizonte imenso. Dois homens de negro, a mesma silhueta magra.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.
Mais alguns minutos e defrontaram-se contra o horizonte imenso. Dois homens de negro, a mesma silhueta magra.
O último raio de sol que atingiu seus olhos, revelou o rosto do oponente. Seu coração estremeceu de horror e reconhecimento, mas a mão foi certeira. Matou-o com um único tiro.

O pio tristíssimo da águia da montanha cortou a tarde que morria.Ahmed Ibn Saud encontrara seu destino e sua morte. Como sempre, girassóis floriam nos jardins.

Na Malásia

Na Asia, a Malasia
é só um ponto
cardeal.
Lá todos os papas são pops
E todas as pipas são minhas

Ao sul do mar do norte numa ilha
que só eu mereço
e você, meu amor, meu amor,
que eu esqueço, eu esqueço.

Na Malásia eu penso ser alguém
que não conheço.

Friday, August 26, 2005

Cigarette blues

Under My Skin

“So deep in my heart...”


Estava lá de novo.


O cabelo oleoso, a franja meio ondulada, batom que ultrapassava os lábios murchos, grandes olheiras de rímel e vida.

Copo de uísque falsificado na mesa, o cigarro entre os dedos e sorriso gasto.

Vinha sempre pedir a mesma música, no final do espetáculo quando a maioria dos fregueses já tinha ido embora e era possível resgatar os blues na guitarra desafinada

Blues... cada um de nós.. blues

No vazio indeterminado da noite empoeirada de estrelas, saíamos para um café fumegante. Mimi, os cacho dourados desalinhados, procurando um espelho antes do xixi. Marina emburrada por causa dos caminhoneiros. E Billie, o meu Billie olhos de fumaça e cafeína.

E a mesma música na madrugada, lamento fundo da guitarra e da voz anasalada de Marina I’ve got you under my skin”... yaaa I‘ve got you... under... uuuuunder... uuuunder my skiiiiiiiiiiiiiin...

No fim do espetáculo ela ia embora, a dignidade intacta, e deixava umas notas amarfanhadas sobre a mesa.

Todas as vezes em que voltamos a São José do Imbassaí estava lá. Esperando e pedindo a música de sempre.

Depois nem isto. Era olhar para ela, esperar a saída dos clientes das baladas medíocres, dos faroestes caboclos, para deixar sair a música enfartada, quase doente dos verdadeiros cigarette blues. Under my skin.

Uma noite falhou.

A cadeira vazia me cortou. Via o dente dourado de Billie na fúria da guitarra me chamando e não conseguia acompanhar... aperto no coração... under my skin.

Duas noites depois reapareceu.

Antes mesmo da sessão coruja do rasga coração, fui procurá-la em sua mesa.

Sorria, os dentes estragados entre o batom que extravasava os lábios. Os olhos pintados eram sérios e brilhantes.

- Você não veio... sentimos sua falta...

Palavras vazias, tentativa de estabelecer um contato impossível.. o que eu fazia ali, meu Deus? Apanhei um cigarro e pedi fogo, ela colou a guimba dela sem dizer palavra.

Me preparei pra sair, quando respondeu:

- Ele voltou.
- Voltou?.. repeti estupidamente - que bom.
- É foi bom mesmo... tantos anos depois. Como se não tivesse saído. Estamos juntos outra vez acredita?

“ Não” mas respondi com um sorriso falso
- Claro.

Os olhos dela brilhavam. Seriam lágrimas? Merda de vida.

Billie sorriu para nós e começou

“ I’ve got you”...

Ela umedeceu a lingua ligeiramente, aspirou a fumaça e repetiu.. under my skin

Lá fora era clamorosamente dezembro.


Wednesday, August 24, 2005

23 de agosto

Tuesday, August 23, 2005

Fui muitas

E de todas que fui
nenhuma eu
e em todas
igualmente
não me reconheço
olhando para outra
que não sou
tentando ser
alguém
que nunca fui

Existir

Estar aqui por breves
Explosões de estrelas
Longe de mim
Estar aqui por incontáveis
Grãos de areia do deserto
De Agadhir
Estar aqui provável
Neste estio
Neste tédio este caos
Este vazio
Estar aqui enfim
Ao todo
E em desafio
Talvez seja existir
Talvez seja
arrepio

Saturday, August 20, 2005

Chovemos

E ainda estamos aqui, parados, esperando a hora.

E por todos os séculos choramos e acreditamos e nem assim você apareceu. e pensamos que haveria uma chegada com trombetas, mas só veio o silêncio imprevisto da noite eterna. E pensamos que estrelas brilhariam, mas nossos olhos contemplaram o vazio negro da ausência.

E esperamos um sol de verdades ofuscantes, mas só houve o brilho de nossas próprias lanternas cegas.
E conhecemos que estávamos sós, no barro, na lama, no pó de onde viéramos.

E apenas a chuva nos molhando enquanto aqui, como estátuas de pedra, esperamos alguém que talvez chegará.
Talvez é nossa moeda de troca com o delírio.

E de olhos fechados, chovemos.

Em algum lugar


No primeiro dia, pela manhã, sumiram as estradas do Norte. À tarde, foram as do sul .
Quando as estrelas apareceram no horizonte frio, uma névoa desceu sobre a cidade partida.

Mas ele dissera que ia voltar. Seu coração estava inundado de certeza e era feliz.

No segundo dia sumiram as estradas do oeste. A leste se abria uma imensa goela vermelha e empoeirada. A noite desceu silenciosa e esta também desapareceu. Mas confiava na sua palavra. Ele daria um jeito.

Na cidade sitiada do terceiro dia, sumiram as montanhas, as árvores, as ruas.

Perdida na sua torre, admirava o brilho amarelo da lua. Esperava. A palavra dele era uma só. Voltaria.

No quarto dia as portas se desfizeram em pó, as grades, as ameias, o jardim, as flores, o pátio enluarado nada mais existiu enquanto ela aguardava, vigiando o lume claro.

No quinto dia os ferros se retorceram e desabou a torre.
Da janela pendurada no espaço ela esperava, confiante. Mas a janela também se desfez e o amado não voltou.

No sexto dia sumiram os pés pequenos, as pernas e o corpo. Aturdida, viu a Lua explodir e virar pó que se transformou em nada.

Mais não soube porque não havia olhos, ou boca, ou cabelos.

Apenas uma parte permanecia intacta.
O coração batendo no ritmo da espera.

No sétimo dia ele voltou.
Apavorado com o Nada, pisoteou o coração sem ver.

Sunday, August 07, 2005

Na Malásia

Na Malásia, sou moura.
Tenho pássaros nos pés e um lagarto por companhia.
Às vezes ele me morde.

Persianas

Poesia da tarde louca do Irã

Viva a laranja da Pérsia,
e o tapete persa
viva a persiana
que encobre nosso segredo de medusa
viva o desfiladeiro das termópilas
viva Esparta, Leonidas,não parta
viva a partasana
alabarda de infantaria, aguda e larga
viva a História dos mortais
que te saúdam

Tuesday, August 02, 2005

CASA

Casa de Pano

Bordei paredes com linha grossa para o calor.
Entrelacei cordas vermelhas formando o telhado que barraria a chuva.
Enfeitei janelas com sutache dourado onde boiava um sol amarelo.
Apliquei flores de seda e preenchi de beleza o espaço branco.
Delimitei móveis em linhas claras, cortei fios, comandei tesouras, perdi agulhas finas.
Fechei a porta com teia delicada de crochê.
Então me agasalhei na casa escura e menti para todos que era bom

Vento

Eram nove ou dez da noite quando a eletricidade foi cortada e ficamos no escuro.
Ao redor da casa, silêncio enorme. Nem um pio de coruja.
Peguei o lampião, tentei auscultar a alma. Voz que não se ouvia, de nenhum lugar.
No espelho vi a cara de meu medo. Marido dormia no sofá , nem se mexeu. Peito apertou, gemeu de dor.
Foi quando o vento veio. Forte, masculino, raiz de terebinto, perfume de homem, com canela. Entrou pelas narinas, percorreu o ventre. Eu abri a porta, braços, pernas, montei no seu cavalo de cheiros, me perdi.
Quando voltei, marido se acordou.
- Você está diferente.
Respondi apenas
– Bestagem. Dorme.
No meio das pernas latejava, borboleta negra da lembrança.

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