Monday, June 26, 2006

CORAÇÃO BRASILEIRO


“Que tanta cerimônia

Se a dona já não tem
Vergonha do seu coração”

( Chico Buarque)






Fica pra proxima, Ronaldo


Como já era esperado por todos os deuses do óbvio, bastou Ronaldo ter ficado paradão na área, no primeiro jogo brasileiro da Copa, para o Fenômeno virar Geni. E tome bosta. Gordo, Zumbi, Doente e candidato urgente ao banco de reservas da mosca que pousou no cavalo do bandido

Sic transit gloria mundi.

E no showbiz do nosso mercado de peixes é pior ainda. O sujeito tem que matar um Leão do Imposto de Renda por dia e ainda comer com batatas Elma Chips.

Tá certo que o Ronaldo pode enxugar as lágrimas com euros, mas é irritante esta certeza da efemeridade. Somos heróis de quinze minutos, a cenoura no liquidificador. A mão que afaga é a mesma que apedreja. Por trás da adoração alvar de mídia e publico ruge uma baba de ódio rodrigueana esperando a topada dos deuses.

E todo mundo persegue esta coisa volátil – o sucesso. Somos muito babacas mesmo.

A única pessoa que nos admira de verdade é o espelho e o cachorro. Mesmo assim, o espelho diz putz que pariu algumas muitas vezes. Um amigo da minha filha observou que só o cão nos recebe sempre na porta como um dos Beatles na década de sessenta.


Enfim, quando o já decretado morto vivo, fez os dois gols que o transformaram no maior artilheiro da seleção, na vitória de quatro a zero sobre o Japão, e foi eleito o melhor jogador em campo pela Fifa, voltou a ser a última coca-cola do deserto.

Sic transit gloria mundi. No trânsito a Gloria fica muda.

Liga não, Ronnie. Agora que perdemos jogando feio, sem brilho, sem garra, com um treinador apático, você vai ser crucificado. Se fizesse um gol logo no início, como aconteceu contra os africanos talvez a história fosse outra.

Mas é neste fragmento temporal que nós dois vivemos e nele voltamos pra casa e enfrentamos a frustração dos que não acreditaram, não deram força, mas esperavam

Eu detesto conselhos, até porque sei errar sozinha, mas por via das dúvidas, na hora do sucesso ou do fracasso, o melhor é seguir Augusto dos Anjos:

Apedreja esta mão vil que te afaga
E escarra nesta boca que te beija.



Suburbano Coração


Porque o pecado tem mérito,
mesmo o de ser
Ovo de Botequim
Azul, Turquesa,
E suburbano, coração

CARTAS DO ALFREDO


PEDRA MENTIROSA

Alfredo,

Você fica perguntando porque estou tão estranha.


Se eu contar você não vai acreditar. Vai dizer que é bobagem, que eu me perco em chiricas e não gosto de ver o principal.

O principal é que tu não prestas, Alfredo, eu sempre soube disto mas sou muito covarde pra te deixar. Pra perder os teus braços de aconchego no meu contorno. Ah, meu pedaço, se eu te disser a verdade, vai parecer brincadeira:

Sabe aquela mulher que a gente conheceu em Paquetá, a bruxa que lia a sorte nos cristais coloridos e previu tudo sobre o nosso futuro, inclusive os onze filhos pra fazer o time de futebol que tu sonhavas? Ela disse que o nosso amor era rocha pra sempre e tu ficaste todo prosa e me jogaste na cara durante uma semana a minha falta de confiança em ti.

Pois eu estive em Paquetá outra vez, coração. Fui com a Solange, da Dona Neuza, ela queria saber o paradeiro do namorado que sumiu em Bangu, dizendo que voltava já.

Fomos as duas enfrentando o mar, cinzento e encrespado, a Solange enjoando ( aquela ali passa mal até com a rotação da Terra ) e a barca jogando como eu nunca vi.

Era o anúncio da tempestade que se seguiu. A mulher nos recebeu de cara amarrada. Acho que a gente atrapalhou o almoço da coroa, sei lá, tinha um rapaz de cuecas sentado na mesa da cozinha e, pelo jeito, filho dela não era.

Não sei se isto influenciou alguma coisa. Só sei que ela jogou as pedras com força e uma até caiu da mesa, rolando pelo chão. A pobre da Solange tentou pegar, levou uma bronca, ameaçou chorar e eu quase fui embora abandonando os cristais mal-humorados. Mas queria tanto ouvir a confirmação da firmeza do nosso amor que resisti aos destemperos da bruxa.

Pois as desgraçadas das pedras desmentiram tudinho que disseram antes. A mulher afirmou que tu não prestavas, que eu estava perdendo meu tempo e meu dinheiro e que havia um português no meu futuro!

Juro por Deus! não estou inventando nada, pode perguntar a Solange. Aliás, esta, coitada, caiu no berreiro quando a megera confirmou que o namorado estava perdido pra sempre, arranchado com uma coroa rica lá pras bandas da Zona Sul.

Saímos trocando as pernas e, se a barca jogou no retorno, a gente nem percebeu, tal era a tempestade dentro do nosso coração.

Agora, não sei se a velha estava a fim de nos castigar pela interrupção da sua festinha particular ou se a primeira pedra que afirmou o nosso amor era tão falsa quanto aquela dos anéis iguaizinhos que destes pra mim e pra Laurinda no dia dos namorados.

Meu consolo é que a idiota da outra pensa que é tudo de verdade.

Eu sou covarde demais pra te deixar mas, pelo menos, sei reconhecer uma pedra fajuta e uma bruxa mentirosa.

Nosso amor pode não ser verdadeiro, coração, mas eu sei usá-lo com tanta beleza que passa pelo mais puro diamante, como a pedra linda e falsa do anel que tu me deste.
Foto: Kelly Lima



“E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar”


Na Malásia o subúrbio
É logo ali
Meus sentidos

São todos que escolhi
CAFÉ COM GIRAFAS



O relativismo e os Cassetas

( homenagem ao Bussunda, carioca, flamenguista e irreverente)

O questionamento perpétuo e o relativismo não são necessários para se chegar a um resultado prático. Se quero fazer um bolo, não me interessa se existem a farinha, o fermento ou eu mesmo. Tratarei de usar a suposta farinha e o suposto fermento para fazer o suposto bolo.

Mas o relativismo e os questionamentos são importantes como advogados do diabo. Eles impedem que a gente se leve a sério. Há pessoas demais morrendo por verdades opostas. Neste sentido eles fazem o papel dos Cassetas que, com o seu jeito iconoclasta, vão demolindo igualmente todos os ídolos de barro. Quando o Agamenon colocou como frase do dia: “ Fui” ( referindo-se a morte recente do seu patrão Roberto Marinho ) estava exercendo o sagrado direito anárquico de desrespeitar a morte ( não o morto ) e torná-la menos assustadora.

Este comentário que escrevi, ao acabar de ler o Nome da Rosa e ao qual fui acrescentando outros, ao longo dos anos, formando camadas sucessivas, manteve-se real até hoje e serve para explicar, em parte, o que sinto sobre o relativismo:

O riso como a grande arma contra a verdade que cega. Por amor à verdade entre aspas, mata-se e morre-se e poderemos destruir a humanidade. É o riso que, subvertendo a ordem estabelecida, desmantelando a pretensa grandeza, reduz tudo ao seu ridículo inicial O homem é o único animal que ri. Também é o único que sabe que vai morrer. A gargalhada é seu único triunfo .O único triunfo sobre o nada. É o humor que nos faz lançar um olho lúcido e cético sobre tudo e conseguir sobreviver sem ( muita ) dor .

É a possibilidade de que as coisas não sejam como sempre foram, ou de que a certeza não esteja certa, que nos permite respirar. Pelo menos comigo é assim. Meu fôlego não é dos melhores.

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