Thursday, July 03, 2008

ON DEMAND



Imagem: Iositaka Amano


Borges e os ornitorrincos eternos



“Todas as frases já foram ditas”

O velho repetiu diante das altas montanhas do mosteiro Loseling em Karnataka na Índia, reconstrução do antigo mosteiro de Lhasa, invadido pelos chineses em 1959.

Fabio Fernandes, jornalista e escritor brasileiro, encontrou o poeta quando morava no local em busca de inspiração para seu último conto sobre uma sociedade alienígena afinada com o budismo tibetano.

Ele se mantinha sentado, na direção dos contrafortes como se pudesse ver. Talvez visse.
Fabio se aproximou incrédulo:

- Borges?

Os olhos cegos se voltaram, uma pálpebra ligeiramente mais abaixada do que a outra:

- Desgraciadamente soy Borges.

Fabio segurou a deixa e respondeu, citando o mestre:

- Desgraçadamente o mundo é real.

Neste momento eu acionara a tecla SAP porque embora o personagem fosse fluente em várias línguas, eu como narradora onisciente não conseguiria manter um diálogo em espanhol. Assim, Borges, milagrosamente, passou a falar português.

- Copio a mim mesmo – replicou irônico. E repetiu:
- Todas as frases já foram ditas. Todas as obras escritas.

O jornalista novamente não deixou passar:

- A teoria do tempo circular. Ou do universo circular. Tudo irá se repetir, inexoravelmente.

Neste momento, Fábio interrompeu o texto e me repreendeu:

- Inexoravelmente é dose. Eu não falo assim. E você está me usando como escada para dialogar com seu mestre. Tô fora.

Tentei argumentar que se tratava de uma ocasião única, nunca mais eu encontraria Borges pessoalmente. Chamei atenção também para as dificuldade visíveis do conto: eu não tinha a menor idéia de como era um mosteiro tibetano por dentro e não tinha tempo de pesquisar. Além de conhece-lo pouco hoje em dia, ainda mais vinte anos atrás, quando se passa o conto. Ignorei o fato de que não situara o texto no tempo.

Mas Fabio já me abandonara em direção ao seu próprio conto ou ao do Clinton, outro escritor brasileiro a presenciar o encontro histórico.

Só me restou procurar um título surrealista, plagiando descaradamente Veríssimo. Afinal “todas as frases já foram ditas”

Como escreveria Borges. Circularmente.


********


6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Repetindo o que eu já te disse em PVT, Helena: ADOREI!! Obrigado pela homenagem - senti uma grande honra por me ver como personagem (é uma sensação estranha, mas bacana)
:-)

8:16 AM  
Anonymous Anonymous said...

O conto ficou ótimo!

Li lá no blog do Fábio sobre ele e vim aqui dar uma espiada e acabei lendo mais do que devia hehehehe.

9:08 PM  
Blogger Helena said...

Obrigada, Daniela. Como não encontrei seu blog - o blogspot dá uma resposta negative e não tenho como responder, agradeço aqui.

beijão,

Helena

7:45 AM  
Anonymous Anonymous said...

Merrel

Sinceramente fiquei emocionada, em êxtase. E, creio, não preciso comentar mais nada. Afinal, todas as palavras já foram ditas.

Grande carinho

tanatus

5:51 PM  
Anonymous Anonymous said...

Hahahaha! Divertidíssimo, adorei.

E, Mhel, nosso efeito Free está de assustar. Devo ter escrito Hiroshima Acelerada no mesmo dia em que vc escreveu esse. Com circularidades e intervenções descaradas no fluxo do texto também.

Grande beijo, querida!
Ludi

6:46 AM  
Blogger Fernando Carvalho said...

Merrel: Gostei de ver. E de ler!
Bessos
Fernando (Pinguço)

12:55 PM  

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