Monday, December 12, 2011

FINALMENTE






Meu livro nasceu.

Com alguns minis analisados na Oficina de Escritores a partir de 2003. A edição faz parte de uma coleção comemorativa dos 10 anos da OE
São pequenos contos, amostras da minha alma maionésica amante do estranho e do surreal. Tem fantástico , tem FC e tem realismo em pequenas doses - o real é algumas vezes mais fabuloso.

Para adquirir neste pré-lançamento virtual com preço de promoção a 10 reais é só me escrever:
mhelband@gmail.com




FELIZ NATAL




"Em meu coração secreto eu me justifico e celebro: testemunhei o mundo, confessei a estranheza do mundo"
( Borges em Quase Juizo Final)

 
Opções Imperfeitas fala de obsessões. As da autora por alguns temas como a desconstrução dos corpos, o inexorável tempo, as prisões pessoais que nos impomos ou nos impõem, a circularidade, a espera de algo que não virá ou ninguém sabe.

“Dançar era agarrar-se ao febril suspiro do outro, perder-se na carne alheia, embriagadora mistura de odores, suores, hálito forte de verão eterno. E rodopiar na música de ontem, encantar-se de novo, fada de seu próprio destino, carruagem.”(Cinderela Vespertina)


“A planície de cogumelos humanos ia até o processador cinzento e compacto. Pequenos brotos de mãos surgiam aqui e ali, rosados e gordos. Pena eu não ter podido escolher melhores e mais jovens. Não se pode ter tudo.” (Até eu acabar este cigarro)
“Fecha a geladeira. Lá fora o sol em gatos preguiçosos, chão quadriculado de sombras. Brisa ultrapassa a janela e cortinas voam. Você pensa fortemente em verões, mas segura a lembrança nas pálpebras com mão febril.”(Numa tarde com gatos e uma canção)


“Pinóquio estrangulou Gepeto - o nariz cresceu até se transformar em um pênis monstruoso e barroco, enfeitado com guirlandas. Ao seu lado a barata de Kafka corria gritando: eu avisei, eu avisei! Mithra me deu as costas, gargalhando. Fiz sinais obscenos para ela.” (Parallaxes)


“Parece estranho lembrar do presente. Os dias de verão não escorreram para nenhum lugar, permanecem. Cheiro de maresia, barcos que escapam em direção ao sonho, as fitas do chapéu embaraçadas por causa do vento e você me dizendo: linda.” (Em Mardeley, no verão)

Saturday, April 30, 2011

ALÉM DA FRONTEIRA FINAL

“Disse assombro onde outros dizem apenas hábito”

(Jorge Luis Borges)





Lançamento da antologia SPACE OPERA de Editora DRACO, organizada por Hugo Vera e Larissa Caruso

Autores:

Hugo VERA
Larissa CARUSO
Gerson LODI-RIBEIRO
Clinton  DAVISSON
Jorge Luiz CALIFE
Maria Helena BANDEIRA
Marcelo Jacinto RIBEIRO
Leticia VELASQUEZ
Flavio MEDEIROS Jr


Tuesday, April 19, 2011

BANDEIRA, TIO MANUEL


19 DE ABRIL




"Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa

Quatro pombas passeiam"





O CACTO


Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária!
Laocoonte constrangido pelas serpentes.
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, carnaubais, catingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro ho-
[ras privou a cidade de iluminação e energia:

- Era belo, áspero, intratável.
MEMÓRIAS



"Estão todos deitados

dormindo

profundamente"





Café, água e lembranças

O maquinista faz soar o apito, o trem entra na curva. A menina segura a locomotiva enquanto os passageiros se movem para a direita acompanhando o declive.

Um gigante desfaz os vagões, leva embora as cadeiras e a repreende carinhosamente por estar trafegando no corredor.

A menina nem liga, corre para o banheiro ao lado do quarto da tivó. Nos frascos prepara água colorida com aquarela, seleciona por tom. Depois coloca tudo na borda e admira seu arco-íris particular.

O quarto da tivó é o mais claro.

Também, ela passa o dia inteiro em casa. A tivó não ouve quase nada, é preciso falar bem perto do seu ouvido. E ficou completamente cega.

A menina é a única que não tem pena da tivó. Sabe que ela vive num mundo especial, das histórias que não pode mais ler e guardou na memória como uma imensa biblioteca.

Depois de viajar e preparar o arco-íris, senta na cama da tivó para ouvir as aventuras do gato de botas, da princesa triste e do vestido cor do céu. Mesmo agora que aprendeu a ler e pode dispor do tesouro guardado nas estantes envidraçadas, prefere escutar a tivó enquanto sua alma divaga.

O almoço é na grande copa e ela representa com Arminda a comédia de sempre: posso tomar café na xicrinha? Você sabe que sua mãe não deixa. Café só pingado no leite. Depois do fingimento, ela resmunga, prepara um café com água e açúcar.

A menina toma o café enquanto tira baforadas de um cigarro imaginário. Como a mamãe. Um dia ela também irá trabalhar, algo proibido e interessante que mantém todos da casa o dia inteiro fora. Menos a tivó que é cega e viaja como ela nos trens do corredor.

Pula da cadeira, quase derrubando a xicrinha, a voz reclamona de Arminda se perdendo na tarde.

Da varanda grita para o prédio em frente:

Mary Caaaarmooo! Mary Caaaaarmooo!

Uma cópia xerox de suas trancinhas e laços aparece na outra varanda.

Vamos brincar?

Carmencita as leva até a praça onde montam a cozinha com panelinhas e fazem bolinhos de terra para dar ao gato. Ele não parece muito entusiasmado, fica por ali cheirando a louça. Copinhos de plástico e uma jarra completam a mesa. Solenemente comem e bebem de mentira, depois limpam com as mãos e o avental.

Cansada, suja e faminta, volta para as mãos de Arminda, a feiticeira que irá transformá-la outra vez na menina de laços perfeitos.

Enquanto o café esfria na xícara, a memória passeia pelo tempo.

Pega o cigarro, olha o jornal: apartamento assombrado em Laranjeiras. Intrigada lê a notícia: no seu antigo prédio uma criança aparece e desaparece causando pânico entre os moradores. O mais espantoso é que alguém conseguiu com um celular fotografar a intrusa.

Na imagem tremida o fantasma tem tranças, laçarotes e nas mãos algo que ninguém conseguiu decifrar.

Mas ela reconheceu imediatamente:

Uma xicrinha de porcelana com café, água e lembranças.




*****


Para meu avô que não conheci, meu tio- avô que me legou as letras, meu pai que não esqueço, a vó, a ti-vó, Arminda, tia Helena e todos os adormecidos que fizeram da menina de laçarote a mulher com que tento espreitar o universo. Ovo Azul Turquesa de botequim.


Thursday, December 23, 2010

FELIZ 2011


’’ A meio do inverno descobri, finalmente,
que havia em mim um Verão invencível”
( Albert Camus )
Van Gogh ( Lilases)


“é verão, baby, viver é fácil "
( summertime )




FIAT LUX



Nos pântanos da Sombra caminhei dez mil anos, me cortando em penhascos escuros e pontiagudos, carreguei cascalho cinzento por incontável tempo, rolei pedras em montanhas de granito, caminhei por negras estradas empoeiradas e indistintas, sob um céu sem estrelas e sem cor. Viajei por rios de chumbo, choveu sobre mim água da cor dos corvos que povoavam meus sonhos enevoados.

Rabisquei em preto sobre preto nos papeis que não via, continuei por escarpas antigas, movi detritos ácidos e nuvens plúmbeas me perseguiram numa paisagem cega. Vulcões cinzentos de lava negra me cobriram, sombras de seres que não distinguia me acompanharam, raios sem luz percebidos apenas pelo som, espreitavam para me abater sobre solos de petróleo ardente, cinza negra solidificada, mares cor de ágata, árvores feitas de carvão, de tudo que já fora um dia.

Percorri pesadelos de escuridão. Enfiei meus pés nas poças lamacentas, escorreguei em pretos e cinzentos pisos sem ver. Meus olhos estavam abertos para o negrume. Minha carne estava percorrida de sombras, meu corpo vazado de impossibilidades.

Então a Luz se fez.

Flores rasgaram os brejos, penhascos se cobriram de grama, caminhos se enfeitaram de árvores e galhos, e plantas. E pássaros cantaram e choveu prateado e o sol se derramou na Terra em fogo. E os astros moveram o céu, as estrelas pesaram de alegria.


E foi de novo Gênesis em mim e em toda parte.


*****

É o que desejo a todos que vem aqui me visitar, ou os que caem acidentalmente neste improvável, suburbano e espreitador de galáxias
Ovo Azul Turquesa

Sunday, December 13, 2009

NOTÍCIAS BOAS


Antologias (lançamento)

“Gracias quiero dar al divino
laberinto de los efectos y de las causas... por los ríos secretos e inmemoriales
que convergen en mí,”
(Jorge Luis Borges)
FC do B - PANORAMA 2008/2009




O concurso FC do B – panorama 2008/2009, organizado pela BHB eventos, selecionou 26 textos de autores contemporâneos para compor uma antologia representativa da Ficção Científica Nacional nas suas várias vertentes
O lançamento do livro editado pela Tarja editorial será no dia 17 de dezembro, das 19 às 22 horas no Bardo Batata – Rua Bela Cintra 1333, Jardins, São Paulo.

Contos e Autores:

Betes! – Alexandre Lobão
A Necronauta – Alexandre Veloso de Abreu
Mnemosine – Alicia Azevedo
Nano – Anderson Santos
A Missâo – Tom Azevedo
Realidade 2.0 – Antonio Velasko
Just Watching – Bruno Nogueira
A Torre Kireru – Carlos Abreu
Linguistrix – cK
Maldito Escocês – Dalton Lucas C.de Almeida
Sob a Terceira Órbita – Davi M. Gonzales
Fantasma Transplantado – Alliah
Sine Wave – Duanne Ribeiro
Maunder Minimmun – Eduardo de Paula Nascimento
A Dimensâo dos Espíritos – Felipe Ribas
A Segunda Vida de Lance Armstrong – Augusto Guimarães
Cemitério Russo – Henry Alfred Bugalho
O Futuro é o Passado – Hugo Vera
Simbiose – Jean Canesqui
Ah, Insensato Coração – João Paulo Vaz
Faces – Maria Helena Bandeira
A Estrela da Manhã – Nelson Salles
Ultimato – Dudu Torres
Bóson de Higgs – Sheila Liz
Condenado em Limax Iv – Ubiratan Peleteiro

PROJETO PORTAL





Portal Fundação


O quarto número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira — traz contos de FC e Fantasia dos mais variados estilos de dezesseis autores contemporâneos.

O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.

Os contistas do Portal Fundação são: Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Giulia Moon, Laura Fuentes, Leandro Leite Leocadio, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Martha Argel, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Souza Causo, Roberto Melfra e Rodrigo Novaes de Almeida
.

Wednesday, July 22, 2009

Portal Stalker

“Disse assombro onde outros dizem apenas hábito.”
(Borges em Quase Juízo Final)


O Projeto Portal engloba 6 revistas de contos de ficção científica e fantástico, com periodicidade semestral, editadas pelo sistema de cooperativa. Cada número da revista homenageia, no título, uma obra célebre: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.

O Portal Stalker traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia. São dezoito narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dez autores contemporâneos.
Idealização: Nelson de Oliveira Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg Impressão: LGE Editora

Autores:

Brontops (SP), Ivan Hegenberg (SP), Luiz Bras (SP), Marco Antônio de Araújo Bueno (SP), Maria Helena Bandeira (RJ), Mayrant Gallo (BA), Roberto de Souza Causo (SP), Rodrigo Novaes de Almeida (RJ), Sérgio Tavares (PR) e Tiago Araújo (SP).

http://projeto-portal.blogspot.com
Circularidade Realidade

“Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa
Quatro pombas passeiam.”
(Bandeira em Imagem)



A morte de Ahmed


O pio tristíssimo da águia da montanha cortou a tarde que morria.
Ahmed Ibn Saud encontrara seu destino e sua morte. Como sempre, girassóis floriam nos jardins.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.
Mais alguns minutos, defrontaram-se contra o horizonte imenso. Dois homens de negro, a mesma silhueta magra.

Ahmed acordou cedo, quando as primeiras estrelas morriam. Lavou barba e cabelo, tomou seu café com pão sovado. Vestiu-se, carregou a pistola, rezou para o Altíssimo, colocou o chapéu desabado e saiu.
Atravessou os campos verdes, as macieiras em flor, os trigais amarelos, margeou regatos de fontes frescas, ao lado de úmidas violetas, ouviu os sinos que ditavam horas de oração, uma vez, duas vezes, infinitas vezes. Atropelou tílburis e carruagens, sobre sua cabeça passaram aviões e foguetes, a tarde morreu silenciosa e barulhenta. Seus passos criavam sulcos na areia quente do deserto, onde os cactos lançavam braços ressequidos para o céu e a lua pálida surgia, quando avistou o vulto que esperava.
Mais alguns minutos, defrontaram-se contra o horizonte imenso. Dois homens de negro, a mesma silhueta magra.
O último raio de sol que atingiu seus olhos, revelou o rosto do oponente. Seu coração estremeceu de horror e reconhecimento, mas a mão foi certeira. Matou-o com um único tiro.

O pio tristíssimo da águia da montanha cortou a tarde que morria.Ahmed Ibn Saud encontrara seu destino e sua morte. Como sempre, girassóis floriam nos jardins.



*****


A promessa do tigre



As grades enferrujadas rangeram sob o peso da mão, rasgando os galhos que a prendiam. Anos de decadência cobriram de pátina verde o muro e o santuário. No jardim esquecido um odor de eternidade, bafio úmido de decomposição e renascimento.

O esplêndido El Tigre repousava, diante dos seus olhos deslumbrados.
Apesar do castigo dos anos permanecia o brilho da esmeralda dos olhos, onde os últimos raios de sol desfaleciam, anunciando as primeiras estrelas.

O peregrino caiu de joelhos.


***

A estrada arrastava-se, interminável reta poeirenta. O sol causticante amainava seu rubor num poente vermelho que se confundia com a terra ao redor. Trezentos e sessenta graus de fogo.
Aos poucos, firmando a vista com cuidado percebeu a sombra formada pelas árvores do santuário. Depois de um dia inteiro de caminhada, ia conhecer El Tigre.

Estava chegando, afinal.

***

Na fornalha do meio-dia, o amarelo transformara as árvores ressequidas em fantasmas negros contra seu brilho cegante. Nem uma folha se movia. O calor era absoluto manto de espessa córnea. Não sabia como chegar lá. Não havia mapas, não havia rotas, ninguém nunca voltara do santuário. Nem mesmo tinha certeza se existia, realmente, um santuário ou fora um sonho do seu coração a palavra de El tigre no seu ouvido. Mesmo assim , preparara o manto e o cajado e estava ali, caminhando em direção a ele.

***

Amanhecia, quando retirou os objetos do altar. Bebeu da água da fonte, Dobrou os panos sagrados e separou os pães secos e o cantil para a longa viagem.

***

A noite estava silenciosa de presságios. Pela última vez encarou o tigre, o desânimo encerrando seu coração. A estátua, uma cópia em miniatura daquela que deveria existir no santuário perseguido, brilhava à luz das estrelas e das inúmeras velas ao seu redor.
Com as mãos cansadas, abriu o livro tantas vezes visitado, tantas vezes manuseado e repetiu a invocação. Um arrepio percorreu seu corpo magro, acentuando os mistérios
Com a voz de séculos perdidos, El Tigre sussurrou no seu ouvido
Vá em peregrinação ao Santuário de Ilah Khaden.

Lá encontrarás o que procuras – a vida eterna, que significa o Eterno Retorno ao ponto de partida.

O peregrino caiu de joelhos.


***********

Thursday, April 23, 2009

PARADIGMAS





Vivemos em um mundo onde os rótulos definem o que devemos consumir. Um universo de padrões. De predefinições. De paradigmas.
Conhecer o suficiente para gerar a capacidade de ignorar esses modelos é uma obrigação da literatura fantástica moderna. Conhecer as regras e quebrá-las por convicção, jamais por ignorância.

Causar o novo é preciso! Barreiras são erguidas apenas para serem colocadas abaixo. Um paradigma só é tão eterno quanto a capacidade humana de desafiá-lo.
A Coleção Paradigmas, da Tarja Editorial é justamente o ângulo que rompe a membrana entre os subgêneros consagrados para fomentar o nascimento do original. Surge para apontar alguns modelos que deram certo e as fórmulas que podem ser seguidas – ou rompidas. A proposta é apresentar contos incomuns, mesmo que baseados em paradigmas consagrados.

Este primeiro volume traz 13 autores:

Ana Cristina Rodrigues
Bruno Cobbi
Camila Rodrigues
Cristina Lasaitis
Eric Novello
Jacques Barcia
Leonardo Pezzella Vieira
M.D.Amado
Maria Helena Bandeira
Osíris Reis
Richard Diegues
Roberta Nunes
Romeu Martins

Mais sobre o projeto pode ser lido em
http://colecaoparadigmas.wordpress.com

E o primeiro volume pode ser adquirido no site da Tarja:
(
http://www.tarjalivros.com.br/detalheprod.asp?produto=36)

Ou nas livrarias Cultura e Martins Fontes Paulista
EXISTIR
este risco absoluto
(fernando mendes vianna)




A pálpebra inexistente da certeza




Os anões não tinham pálpebras.

Esta fora a primeira coisa que observara neles e , no fundo, deve ter sido a mais importante. Pelo menos a mais importante para o estado em que estou agora, no meio do nada indescritível. Notei outras coisas mais tarde, a medida em que fomos convivendo dentro do Cubo, mas não necessárias para mim.

Seus olhos eram como os das bonecas quebradas, jamais se fechavam, nem um piscar rompia a dureza daquelas íris verdes. Havia anões de olhos escuros também e era tenebroso olhar para eles, arrastantes de negrume que me deixavam noites sem dormir.

Não que isto fosse necessário no Cubo.

Dormir era uma opção como qualquer outra para os convidados, como, aliás, tudo naquele lugar. Não havia regras, nem leis, nada era sugerido ou aconselhado. Vivíamos uma liberdade aflitiva e até sair do Cubo e voltar ao mundo dito normal era permitido, mas ninguém escolhia esta opção.

Por quê? Nem mesmo eu sei. Quando tento lembrar de mim naquela época, penso que era a capacidade de poder escolher que nos inibia. A liberdade absoluta pesava tanto quanto a escravidão e incapazes de decidir entre o risco total de errar ou de acertar milhões de vezes, preferíamos ficar paralisados. Os anões nada esperavam ou cobravam de nós. Apenas nos olhavam com suas imensas íris de crianças velhas, sem pálpebras protetoras. E aquele olhar tinha o poder de nos impelir a alguma coisa que não sabíamos nem mesmo se existia.

Dentro do Cubo tudo era possibilidade e, por isto mesmo, nada se concretizava.

Eu errava por lá buscando uma escolha, mas ela não vinha. Então me perdi no olhar do anão mais próximo e cheguei ao vértice. Foi mais fácil aprender a negação. Descobri a possibilidade de não ser coisa nenhuma, sendo. De me negar a escolha.

Então cheguei, finalmente, a este nada onde estou, eternamente, sendo algo que não defino nem me interessa. E é esta a graça da coisa.

Talvez eu seja a pálpebra inexistente do olhar daquele anão. Talvez eu seja a impossibilidade de vedar o olho agudo da certeza.

Talvez eu seja apenas a impossibilidade.
Mas isto, de uma certa forma, hoje me basta.
De muito longe, entre as bétulas


“Porque eu te amo e porque eu não te amo é que nos amamos” ( Mheta Thet Agar - livro das Contradições, volume 3 , página 8.045 )


Eu te matei mil vezes. Em Órion, Em Alpha, em Vehr. Traspassei teu corpo nu com a espada flamejante em Ângelus e o crucifiquei no antigo carvalho druida da Cornualha. Eu atirei uma flecha em ti entre os índios Navajos e peguei teu coração palpitante no ritual secreto das mulheres de Elêusis. Destruíste meu corpo outras mil, nas cavalgadas e lutas, entre as silenciosas estrelas de Luthor, nas planícies geladas de Alhambra. Incontáveis anos. Mas estou cansada.

Aqui, no alto, com a mão na arma, vejo tua pele brilhando e não sinto nada. Nenhum desejo de destruição, nenhuma sede de teu sangue quente, nenhuma fome de tua carne branca. Somente um cansaço imenso, abissal, um cansaço que percorre os astros indiferentes, que me faz adejar sobre todas as coisas – navio celeste desgovernado, estrela velha prestes a se extinguir.

Nosso jogo durou tanto tempo que esqueci onde começou. Se é que começou e não foi sempre assim, nos destruindo infinitamente, renascendo para morre, matar, devorar.

A mão está firme, mas eu hesito. Teu vulto se destaca entre as outras – mulheres que não são – aquelas que acabarão - cinza espalhada sobre campos ao amanhecer.

À luz da lua elas dançam, bailarinas delicadas num teatro de sombras, passam girando e eu as destruo uma a uma e te mantenho vivo. Sinto teu desespero, a marca de tua esperança de que continue nosso jogo perverso e o sentimento é como a água escura da piscina inerte. Parado. Embalsamado por perfumes que vem de longe, muito longe, onde não estamos mais.

Tu não entendes porque desrespeito nosso jogo, porque deixo de te matar já que é minha vez, porque te poupo e estrago os milhares de anos em que nos perseguimos com amor e ódio. Tudo que não pode haver é esta indiferença opaca, este tédio vazio com que olho para as dançarinas que abati. Todas.

Menos a ti..

Quando as sombras se esgotam, quando apenas um vulto permanece sobre o chão úmido, entre o perfume das bétulas, eu, lentamente, viro a arma para o meu peito.

E atiro.

Teu grito ecoa em meus ouvidos, mas é muito tarde para nós. Perdemos o jogo, querido e ontem será, finalmente, eterno.



USAR O TEMPO






Entrei na cabine e esperei.

Precisava de muito tempo, um tempo infinito para conseguir entender. Cliquei em milhares de anos atrás, especifiquei as coordenadas e sentei. Logo tudo ficou confuso como acontece nos pedidos extraordinários. A porta da cabine se abriu alguns segundos depois.

Estava no meio do nada. Para onde olhasse só via estepes geladas que um vento fino fustigava. Mas não sentia frio, claro. Não há sensações corporais térmicas no Tempore.

Andei um pouco, perdida, olhando o céu intensamente azul, de uma tonalidade que já não existia na Terra há muitos anos. Era agradável estar ali, sozinha na planície gelada, debaixo de um céu de cobalto.

Caminhei sem destino, recitando os mantras. Parecia tudo igual e, só por isto, podia ser diferente dentro de mim.

O tigre apareceu de surpresa. Enorme, uma criatura fabulosa, de músculos elásticos e fortes, esgueirando-se sobre o chão gelado com graça lenta. Duas grandes presas alvas sobressaiam dos lábios que uma língua vermelha e úmida lambia de vez em quando. Aproximava-se de mim, mas eu não tinha medo. Esperava.

O animal pareceu hesitar e eu sentei, abrindo os braços e ainda recitando os mantras. Ele foi chegando cada vez mais perto, lentamente, os olhos dourados fixos, hipnóticos.

Eu também o fitava, calma. Desta vez não haveria desistências.

Repetia os mantras cada vez mais alto e a força deles parecia impulsioná-lo para frente. Os olhos dourados já estavam a uma distância de dois metros, avaliando, algo tensos, famintos. A língua se tornara nervosa, mas o tigre se quedara, estático, todo ele uma tensão absoluta, preparando o bote.

Com graça e agilidade felinas, ele saltou e eu caí, espalhando pedaços de gelo que se estilhaçaram com o choque. O peso dele me tirou, por um momento, a respiração. Fiquei ofegante, sentindo suas enormes patas no peito, os olhos amarelos bem próximos do meu rosto.

Indagadores talvez? Não tive tempo de descobrir. Ele abocanhou meu pescoço com as presas fortes, ouvi um estalo, uma nuvem escura cobriu meu olhar. Ainda percebi, como num sonho, o sangue se separando do corpo e formando um rio vermelho que tingia de cor a alvura uniforme da estepe gelada.

Quando regressei à cabine, uma estranha paz me invadiu. Podia voltar ao meu verdadeiro tempo. Estava pronta para enfrentar o que me esperava lá fora.

Abri a porta. Chovia como sempre. As gotas se refletiam nas luzes dos altos edifícios de cristal. Pessoas passavam por mim, indiferentes e eu a elas.

Só que agora eu tinha um tigre, tinha uma morte, tinha uma experiência verdadeiramente minha.

Suicídios não são permitidos nesta época, mas usar o tempo sim.





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