A cabeça na cômoda, cercada por suas conchas e fina areia furta-cor, anunciou com olhos de mar encapelado:
- As anêmonas floresceram perto daqui.
Olhei para ela e meu coração se alagou. Lembrava bem a última vez. O oceano brilhava laranja, onde o braço do rio Molah se enfiava como um amante. O céu pesava azul.
A cabeça iniciou uma canção romântica. Brisas africanas vieram em ondas sobre mim. Cabeça maldita! Do lado de fora, areia escaldava.
O mar permanecia calmo mas... o que era a espuma que se avistava onde o horizonte inaugurava o céu?...
Bobagens. Anêmonas não florescem duas vezes.
Apanhei um regador e comecei a molhar a cabeça. Ela riu, delicada, os olhos ficaram cor de jade.
- Acredite em mim.
Não respondi, ocupada em trocar a areia e lustrar as conchas.
- Anêmonas – ela repetiu com voz doce – enormes...
Recomeçou a cantarolar, com voz umedecida.
Sons percorriam a casa, vozes do crepúsculo. Por toda parte floresciam, sussurravam. Dediquei-me a limpar os móveis com óleo fino de Aslamabad enquanto a tarde morria.
A espuma na fímbria do horizonte estava maior. Ou era apenas impressão?
Abri as janelas, vasculhei o poente avermelhado. Areia e águas. Rio barrento correndo silencioso para o mar alaranjado.
O fio branca se tornara um dedo nos confins do avistamento.
Meu coração deu saltos, cavalo selvagem.
A cabeça fechara os olhos de água e murmurava baixo:
- Está vindo, está vindo...
Estrelas despontaram no céu - devagar, depois incrivelmente rápido, desabando sobre meu olho que vigiava a brancura, quebrando a escuridão.
- A-nê-mo-nas flo-res-cen-do - escandia a cabeça sobre a cômoda com voz rouca.
Eu me recusava a acreditar. Senti frio e fechei a janela apagando a lembrança da faixa alva sobre o oceano.
Entrei na casa deserta – o perfume de flor se acentuara. Meus seios doíam, os braços pesavam toneladas.
Subi, me atirei na cama e acreditei desaparecer na dor.
Acordei com a voz esganiçada da cabeça na cômoda. Chovia ao redor de mim.
Desci e encontrei tudo boiando na lama escura.
Ela repetia, como um disco quebrado:
Anêmonas floresceram perto daqui, bem perto daqui...anêmonas...
Apanhei um balde para conter a inundação, tentando não olhar pela janela.
Mas olhei.
A lâmina branca se tornara uma onda gigantesca avançando para a casa, vendaval de água barrenta e azul, com mil olhos, tentáculos semi-ocultos pela névoa formada por gotas iridescendentes
Fechei os olhos e Ele entrou.
Como antes, espatifou a cabeça sobre a cômoda, espalhou a areia e as conchas pelo chão e me derrubou no seu leito de mar.
Tomou meu corpo, me inundou, me transformou em água escorrendo por todos os bueiros, todos os rios, lagos, fontes e mares no mundo, me pediu em casamento de oceano.
Eu desagüei por dias, até Ele partir.
Quando se foi, arrumei a cabeça na cômoda, coloquei de volta conchas e areia. Ela estava muda.
Anêmonas murchas boiavam na água restante.
Varri, espanei, lustrei. E morri de amor.
- As anêmonas floresceram perto daqui.
Olhei para ela e meu coração se alagou. Lembrava bem a última vez. O oceano brilhava laranja, onde o braço do rio Molah se enfiava como um amante. O céu pesava azul.
A cabeça iniciou uma canção romântica. Brisas africanas vieram em ondas sobre mim. Cabeça maldita! Do lado de fora, areia escaldava.
O mar permanecia calmo mas... o que era a espuma que se avistava onde o horizonte inaugurava o céu?...
Bobagens. Anêmonas não florescem duas vezes.
Apanhei um regador e comecei a molhar a cabeça. Ela riu, delicada, os olhos ficaram cor de jade.
- Acredite em mim.
Não respondi, ocupada em trocar a areia e lustrar as conchas.
- Anêmonas – ela repetiu com voz doce – enormes...
Recomeçou a cantarolar, com voz umedecida.
Sons percorriam a casa, vozes do crepúsculo. Por toda parte floresciam, sussurravam. Dediquei-me a limpar os móveis com óleo fino de Aslamabad enquanto a tarde morria.
A espuma na fímbria do horizonte estava maior. Ou era apenas impressão?
Abri as janelas, vasculhei o poente avermelhado. Areia e águas. Rio barrento correndo silencioso para o mar alaranjado.
O fio branca se tornara um dedo nos confins do avistamento.
Meu coração deu saltos, cavalo selvagem.
A cabeça fechara os olhos de água e murmurava baixo:
- Está vindo, está vindo...
Estrelas despontaram no céu - devagar, depois incrivelmente rápido, desabando sobre meu olho que vigiava a brancura, quebrando a escuridão.
- A-nê-mo-nas flo-res-cen-do - escandia a cabeça sobre a cômoda com voz rouca.
Eu me recusava a acreditar. Senti frio e fechei a janela apagando a lembrança da faixa alva sobre o oceano.
Entrei na casa deserta – o perfume de flor se acentuara. Meus seios doíam, os braços pesavam toneladas.
Subi, me atirei na cama e acreditei desaparecer na dor.
Acordei com a voz esganiçada da cabeça na cômoda. Chovia ao redor de mim.
Desci e encontrei tudo boiando na lama escura.
Ela repetia, como um disco quebrado:
Anêmonas floresceram perto daqui, bem perto daqui...anêmonas...
Apanhei um balde para conter a inundação, tentando não olhar pela janela.
Mas olhei.
A lâmina branca se tornara uma onda gigantesca avançando para a casa, vendaval de água barrenta e azul, com mil olhos, tentáculos semi-ocultos pela névoa formada por gotas iridescendentes
Fechei os olhos e Ele entrou.
Como antes, espatifou a cabeça sobre a cômoda, espalhou a areia e as conchas pelo chão e me derrubou no seu leito de mar.
Tomou meu corpo, me inundou, me transformou em água escorrendo por todos os bueiros, todos os rios, lagos, fontes e mares no mundo, me pediu em casamento de oceano.
Eu desagüei por dias, até Ele partir.
Quando se foi, arrumei a cabeça na cômoda, coloquei de volta conchas e areia. Ela estava muda.
Anêmonas murchas boiavam na água restante.
Varri, espanei, lustrei. E morri de amor.
7 Comments:
Ai, Mhel... que lindo!
Helena, mulher. Que loucura!
O que foi isso? Um sonho? Um desejo? Um suspiro?
Nem sempre é preciso entender para apreciar. A beleza não pede explicação.
Curti. Senti um frescor no meio do dia muito quente.
Beijos... poeta proseadora.
Mhel, mulher!
Que coisa!
Que...loucura!
Tesão pro, pra uma canceriana afilhada de Iemanjá!
beijão
Ro
Minha Troiana, adoro seus textos e como sempre serei seu maior fã...és mesmo uma Bandeira mesmo..
Bjos
Minha Troiana, adoro seus textos e como sempre serei seu maior fã...és mesmo uma Bandeira mesmo..
Bjos
Nooooossa,Mhel! Que encantamento!
Espetáculo em forma de texto.
Fui sentindo,sentindo,me envolvendo e me deixei levar junto com a história, sentindo a água invadindo tudo, como dona,soberana,tomando meu corpo junto ao da personagem e,finalmente, deixando para trás o rastro de sua dominação...
Sensacional!!! Parabéns!
beijos.
Pura inspiração, Helena.
Adorei.
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