E então....
Havia goteiras no telhado por onde entrava uma chuva comprida, fio de mel. Sentada na cadeira do poente, ela bordava. Vestia o casaco azul onde morava o lago, beijava o canário belga e consultava o poente aguado e cinza. Criava desenhos no céu – roda de meninas, carneiros, relógio de sol. Puxava fios invisíveis para fazer dançar os encantados do tempo.
A água escorria na vidraça em ré e o fogo respondia em dó. O soldado morto repousava rindo no retrato da antiguidade. Ela costurava vidas. Com laçadas finas ia combinando pares, descosendo amores, refazendo casas, destruindo. Dentes serrilhados cortavam o fio, sopro se apagava. Longe, na fímbria do mar, marinheiro perdia o rumo, barco se estilhaçava no rochedo. Ela molhava o pano com lágrimas sutis.
Depois sorria, retomava o bastidor e o moço alegre beijava a menina de vestido azul. Lábios macios procuravam seios, boca de gerânio, perfume de alecrim. Os dedos rápidos uniam, os dedos finos descasavam. Quando cansou de tecer, chuva se fora. Mil estrelas caíram sobre ela, constelação de brilhantes. Explodiu algumas só de brincadeira.
Sono demorava mas quando vinha latejava forte. Abandonou a teia. Canário cantou, ela soprou um beijo de mormaço cansado, despiu o casaco onde morava o lago e se deitou na trave da sala.
Dormiria mil dias e com ela o mundo. Parado. Os relógios, sem tempo. As pessoas, sem alma. Os barcos, no cais. Mares, congelados. Pares, eternamente juntos. Os assassinos com a faca na mão, gesto cortado. O grito suspenso nas bocas do medo.
De repente...
O soldado no retrato que sorria antiguidade entrou cantarolando na casa adormecida. Consertou as goteiras no telhado e a chuva derrubou torrentes na vidraça, sopa de melado.
Sentou na cadeira do poente e cantou o amor. Beijou o casaco azul onde morava o lago, acordou o canário belga e riu para o vermelho da descoberta. Desfez os bordados da espera, rasgou teias de tempo, reacendeu o fogo que cantou em dó.
Da trave do teto ela suspirou. Caiu suavemente nos braços do soldado renascido da morte.
E o mundo despertou.
Havia goteiras no telhado por onde entrava uma chuva comprida, fio de mel. Sentada na cadeira do poente, ela bordava. Vestia o casaco azul onde morava o lago, beijava o canário belga e consultava o poente aguado e cinza. Criava desenhos no céu – roda de meninas, carneiros, relógio de sol. Puxava fios invisíveis para fazer dançar os encantados do tempo.
A água escorria na vidraça em ré e o fogo respondia em dó. O soldado morto repousava rindo no retrato da antiguidade. Ela costurava vidas. Com laçadas finas ia combinando pares, descosendo amores, refazendo casas, destruindo. Dentes serrilhados cortavam o fio, sopro se apagava. Longe, na fímbria do mar, marinheiro perdia o rumo, barco se estilhaçava no rochedo. Ela molhava o pano com lágrimas sutis.
Depois sorria, retomava o bastidor e o moço alegre beijava a menina de vestido azul. Lábios macios procuravam seios, boca de gerânio, perfume de alecrim. Os dedos rápidos uniam, os dedos finos descasavam. Quando cansou de tecer, chuva se fora. Mil estrelas caíram sobre ela, constelação de brilhantes. Explodiu algumas só de brincadeira.
Sono demorava mas quando vinha latejava forte. Abandonou a teia. Canário cantou, ela soprou um beijo de mormaço cansado, despiu o casaco onde morava o lago e se deitou na trave da sala.
Dormiria mil dias e com ela o mundo. Parado. Os relógios, sem tempo. As pessoas, sem alma. Os barcos, no cais. Mares, congelados. Pares, eternamente juntos. Os assassinos com a faca na mão, gesto cortado. O grito suspenso nas bocas do medo.
De repente...
O soldado no retrato que sorria antiguidade entrou cantarolando na casa adormecida. Consertou as goteiras no telhado e a chuva derrubou torrentes na vidraça, sopa de melado.
Sentou na cadeira do poente e cantou o amor. Beijou o casaco azul onde morava o lago, acordou o canário belga e riu para o vermelho da descoberta. Desfez os bordados da espera, rasgou teias de tempo, reacendeu o fogo que cantou em dó.
Da trave do teto ela suspirou. Caiu suavemente nos braços do soldado renascido da morte.
E o mundo despertou.
2 Comments:
Nem sob encomenda se encontra um texto assim, tão cheio de beleza,cor,poesia e amor.
Que coisa perfeita,Mhel...
Todos que te visitam,mesmo nas tuas multiplicidades,nunca deixarão de encontrar a beleza da poesia,mesmo que nas entrelinhas,descrita com cores, ou mesmo em preto e branco, mas sempre presente.
beijos no teu coração sensível e dotado desta plasticidade maravilhosa.
Tania
Maravilha!
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