Um pássaro que ainda canta
Imagem: Christopher Shy
Nestes dias alaranjados não sinto vontade de jogar.
Usei todos os braços e pernas disponíveis no meu estoque, algumas cabeças extragalácticas que comprei em Órion, com maior capacidade de discernimento. Não importa. Estamos todos iguais, não há o que inventar no Universo.
Apenas o Jogo nos permite escapar do Nojo inevitável.
Poderia sair navegando e comprar peças de reposição corporal, mas sou ferido pelo cansaço do próprio ato de criar.
Não consigo, nem com adrenalina incrementada, fazer brotar em mim a flor do Caos. Sinto falta da ordem antiga, que não conheci. A distopia me enjoa, pior, me entedia, me deixa frio.
O jogo dominou todos os espaços da interface virtual humana e atingiu os animais. Deploro os seres vivos que não conhecerei.
Mesmo assim, influenciado por Kalinda e seus bytes eróticos, vou repetir gestos inúteis, explodir outra vez mundos fictícios que não consigo distinguir dos reais.
Realidade é um conceito antiquado e fascinante.
Uma das poucas coisas, além de Kalinda, a me despertar tesão – um possível e improvável dado material, não mental.
Sei perfeitamente que é impossível. Como eu iria distinguir? O que é matéria? Tudo é criado por mim, infinitamente, até Kalinda.
Descarrego no Jogo meu tédio e minha ausência.
Percorro terras e mares de fogo, lanço chamas, destruo cabeças, pênis e vaginas, pernas e braços, estômagos abertos, eviscero corpos lançados ao céu laranja. Com dor, asco e inapetência.
De repente, meu cérebro Delubiano, o último que restava no arquivo, explode em dor.
Algo está errado. Não são estas as regras.
Linhas se cruzam ao redor de mim, edifícios surgem e desaparecem, fogo me envolve e se torna gelo, pássaros que nunca vi queimam e renascem. Estou colapsando de forma absolutamente nova.
Um sábio hindu que não conheci, me avisa ontem: É a morte.
Tento não acreditar, luto para sobreviver, mas percebo que é inútil. Minha mente anterior ao Caos está se apagando.
Ela era a realidade que tanto procurei. Tarde demais.
Ao longe, escuto um pássaro cego que ainda canta.
***********
Imagem: Christopher Shy
Nestes dias alaranjados não sinto vontade de jogar.
Usei todos os braços e pernas disponíveis no meu estoque, algumas cabeças extragalácticas que comprei em Órion, com maior capacidade de discernimento. Não importa. Estamos todos iguais, não há o que inventar no Universo.
Apenas o Jogo nos permite escapar do Nojo inevitável.
Poderia sair navegando e comprar peças de reposição corporal, mas sou ferido pelo cansaço do próprio ato de criar.
Não consigo, nem com adrenalina incrementada, fazer brotar em mim a flor do Caos. Sinto falta da ordem antiga, que não conheci. A distopia me enjoa, pior, me entedia, me deixa frio.
O jogo dominou todos os espaços da interface virtual humana e atingiu os animais. Deploro os seres vivos que não conhecerei.
Mesmo assim, influenciado por Kalinda e seus bytes eróticos, vou repetir gestos inúteis, explodir outra vez mundos fictícios que não consigo distinguir dos reais.
Realidade é um conceito antiquado e fascinante.
Uma das poucas coisas, além de Kalinda, a me despertar tesão – um possível e improvável dado material, não mental.
Sei perfeitamente que é impossível. Como eu iria distinguir? O que é matéria? Tudo é criado por mim, infinitamente, até Kalinda.
Descarrego no Jogo meu tédio e minha ausência.
Percorro terras e mares de fogo, lanço chamas, destruo cabeças, pênis e vaginas, pernas e braços, estômagos abertos, eviscero corpos lançados ao céu laranja. Com dor, asco e inapetência.
De repente, meu cérebro Delubiano, o último que restava no arquivo, explode em dor.
Algo está errado. Não são estas as regras.
Linhas se cruzam ao redor de mim, edifícios surgem e desaparecem, fogo me envolve e se torna gelo, pássaros que nunca vi queimam e renascem. Estou colapsando de forma absolutamente nova.
Um sábio hindu que não conheci, me avisa ontem: É a morte.
Tento não acreditar, luto para sobreviver, mas percebo que é inútil. Minha mente anterior ao Caos está se apagando.
Ela era a realidade que tanto procurei. Tarde demais.
Ao longe, escuto um pássaro cego que ainda canta.
***********
5 Comments:
Pura poesia. Lindo.
beijos,
Tom
Não adianta. Mhel é sentimento puro. Lindíssimo, menina. O final é um poema em prosa, ou uma prosa/poema. Só posso dizer que consegues fazer de uma ficção científica onde outros colocariam tão somente destruição e máquinas, um cântico de amor à vida. Era o que ele buscava...
Adorei
Helena;
É engraçado porque você diagnostica, mas não segue a receita -risos.
A fantasia é como uma garrafa de dois litros de Coca-Cola que vamos tomando enquanto esquenta sobre a mesa. O primeiro copo é ótimo, o segundo já passado, o quarto um xarope doce e enjoativo.
Para o leitor como eu que toma um copo por vez é bom. Para quem nela vive enredado, bem o seu personagem mesmo responde. Ao dar esta fala ao personagem, Helena, você mostra saber.
Bem escrito, com seu habitual artesanato.
Beijos
belíssimo, querida.
vc recriou a realidade.
beijos
Nina
caramba..
Que coisa..
Estou embasbacada com sua poesia.]
Muito intensa, muito forte.
Prazer em conhecer.
Bjo pra vc.
=]
Post a Comment
<< Home