Sunday, November 13, 2005

O príncipe herdeiro de Aleph, na constelação Azul à leste de Andrômeda, tinha uma peculiaridade – era um obsessivo buscador. Ao contrário dos irmãos que procuravam aproveitar a vida, percorrendo bordeis e entornando todas as combinações etílicas, Malthus só se interessava por descobrir o sentido da existência. Para isto vinha gastando o tesouro do reino em viagens às mais distantes partes do Universo.

No terceiro planeta, que orbitava a estrela amarela de uma galáxia longínqua, ele, finalmente, encontrou uma resposta.

Malthus viajou por planícies e montanhas, navegou sobre mares azuis e suportou temperaturas geladas no seu corpo adaptado. Em algum lugar da Terra, diziam os livros antigos de Aleph, se escondia o maior sábio do universo - Ibn Al Said, o simples.

E ele o encontrou.

O deserto parecia escaldante mesmo aos sentidos do navegador corporal. Uma fina neblina de areia se levantava sob o sol, excessivamente próximo para os padrões alephianos, onde a noite se alongava por ciclos gigantes, o que favorecia a proliferação de adivinhos e magos.

Estava próximo de encontrar aquele que lhe daria a resposta esperada e seu coração batia.

A gruta era apenas um amontoado de pedras e sentado em frente a elas, o velho permanecia absolutamente imóvel.

Ligou o intercomunicador e perguntou com voz trêmula:

- Mestre?

O ancião não moveu um músculo. Repetiu a pergunta:

- Mestre? Ibn Al Said?

Nenhuma manifestação de vida. O príncipe sabia que esta não era a atitude habitual dos habitantes daquele planeta e ficou indeciso. Mas em Aleph paciência é virtude e Malthus era um obsessivo buscador.

Sentou-se ao lado dele e esperou.

Muitas luas cruzaram o céu noturno e o sol se levantou sobre a areia incontáveis vezes antes que o mestre respondesse:

- Sou eu

O príncipe, cuja nutrição, realimentada pelo navegador corporal, começava a ficar em estado de colapso, respondeu animado:

- Mestre, há anos eu o procuro, por milhares de planetas nesta galáxia, para fazer uma simples pergunta, que é a mais importante de todas – qual o significado da vida?

O mestre levou outras muitas luas para responder e quando o príncipe já quase desistia, no limite de seu traje adaptador, abriu a boca desdentada e emitiu apenas uma frase.

Depois, recaiu na posição de estátua, da qual não saiu mais durante todo o tempo em que o príncipe permaneceu lá, tentando entender.

O que significaria aquilo? Sabia que o mestre não iria explicar nada, cabia a ele descobrir.

Voltou para seu planeta e durante o resto da vida, mesmo após assumir o trono, dedicou-se a decifrar aquelas palavras enigmáticas. Consultou astrólogos de Júpiter, magos de Andrômeda, bruxas de Ashtar XIX, as mais poderosas do Universo. Penetrou nos domínios tenebrosos da bruxa de Pher, em fragmentos temporais distantes, onde quase perdeu a razão. Navegou pelo tempo e pelo espaço, procurou lingüistas de idiomas estranhos, até mesmo os tradutores dos guturais sons reptilíneos de Alighator. Nada. Ninguém sabia decifrar o significado da frase, muito menos o sentido da vida.

Quando, depois de quinhentos anos, sua própria existência estava no fim, continuava com a mesma interrogação sem resposta, a mesma angústia infinita.

Resolveu fazer uma última e desesperada tentativa, usando todos os recursos da ciência e da cosmetologia. Reformou seu aparelho biológico e apoiado por um ultra-sofisticado navegador corporal, viajou até o pequeno planeta, Terra, o terceiro a partir da estrela daquela galáxia distante.

Com suas últimas forças, atravessou o deserto e conseguiu chegar à gruta onde encontrou o mestre exatamente na mesma posição.

Sentou-se lado do velho e permaneceu calado algumas luas, as derradeira que lhe restavam na contabilidade do futuro.

Já mal conseguindo articular as palavras, finalmente se atreveu a perguntar:

- Mestre, passei a vida toda procurando, viajei pelos confins do universo, conheci seres de todas as espécies e gêneros, mas nunca, ninguém, conseguiu decifrar a frase que me ensinaria o significado da vida. E repetiu reverente:

“ da escada de alcebíades ao aeroplano romântico.”

As palavras ressoaram, através do intercomunicador, no deserto silencioso e estrelado.

- Gastei fortunas, subindo e descendo escadas, das simples às mais estranhas do universo. Através de pesquisa arqueológica aqui na Terra, consegui fórmulas da construção de aeroplanos diversos e neles procurei viver românticas noites e dias.

Tudo em vão. Jamais descobri o significado.

Agora que estou chegando ao fim da jornada, acho que mereço a resposta. Por favor, mestre, me diga o significado de tal frase.

Pela primeira vez, o mestre se moveu em direção a ele, uma silhueta escura contra as estrelas

- Querido rei, você olhou para o lado errado do espelho, ignorando o real pela imagem. Gastou o tempo de sua existência procurando o sentido das palavras e voltou sobre os próprios passos. No entanto, elas significam o mesmo que a vida.

E fechando os olhos do velho rei que agonizava:

- Nada.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...


Oi, Helena,

Simplesmente adorei seu texto. É lindo e cheio de profundidade. Uma Ficção Científica com um grande tom de filosofia. Anima a alma pela beleza do texto e incentiva nossa mente a pensar.
A própria resposta final do Mestre instiga nossa imaginação. Só para podermos refletir melhor, Joseph Campbell dizia que as pessoas não procuram o sentido da vida, pois consideram é impossível encontrá-lo, mas sim uma forma de viver melhor.
Parabéns pelo texto.
A frase enigmática da história está relacionada a Borges, não é?
Rita.

10:27 PM  

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