Pintura: Leonor Fini
A estupidez do gnomo
Apareceu outro gnomo no jardim.
Estão vindo mais cedo este ano. Nem esperaram o início da primavera. As flores ainda não despertaram de suas camas coloridas.
Ele está encarapitado no pontal da varanda e seu olhar me interroga.
Que posso responder? É claro que está tudo bem. Porque não estaria?
Não acredita em mim e seu sorriso sardônico me aborrece.
Por que os gnomos são tão sarcásticos?
Estou dizendo que sou feliz e tenho certeza. Por que mentiria aos pequenos?
O marido se foi, é bem verdade, mas de que me servia um beberrão, um pobre fracassado que só fazia dormir e não sabia cantar uma canção mais doce?
É bem melhor sem ele.
O maldito não acredita. Deve estar lembrando dos meninos.
Eles se foram, vou reclamar? O caminho da vida é este mesmo. Queria que guardasse meus filhos debaixo das saias como uma ostra egoísta impedindo seu vôo? As asas estão abertas longe de mim, mas ouço seu rufar macio nas noites silenciosas. E estou feliz por eles.
O gnomo gargalhou.
Está pensando no tempo que me arrebata? Tudo tem seu momento. Não posso ter mais a beleza antiga. Estas rugas são vida e o cabelo tão ralo já nem me aborrece mais. Encontrei uma paz neste outono tranqüilo.
Ele me olhou malicioso.
Quer saber do que mais? O tempo que passou levou muito de mim, mas me deixou inteira. Estou aqui ainda, no mesmo lugar
Parei estarrecida.
O gnomo saltou, deu piruetas e se encarapitou de novo no banquinho cantarolando com a voz anasalada:
“No mesmo lugar... no mesmo lugar...”
Matei mais um gnomo, devo confessar.
Eu sei que sou feliz.
Gnomos são estúpidos.
Mas é melhor não deixar mais nenhum pra encarar.
A estupidez do gnomo
Apareceu outro gnomo no jardim.
Estão vindo mais cedo este ano. Nem esperaram o início da primavera. As flores ainda não despertaram de suas camas coloridas.
Ele está encarapitado no pontal da varanda e seu olhar me interroga.
Que posso responder? É claro que está tudo bem. Porque não estaria?
Não acredita em mim e seu sorriso sardônico me aborrece.
Por que os gnomos são tão sarcásticos?
Estou dizendo que sou feliz e tenho certeza. Por que mentiria aos pequenos?
O marido se foi, é bem verdade, mas de que me servia um beberrão, um pobre fracassado que só fazia dormir e não sabia cantar uma canção mais doce?
É bem melhor sem ele.
O maldito não acredita. Deve estar lembrando dos meninos.
Eles se foram, vou reclamar? O caminho da vida é este mesmo. Queria que guardasse meus filhos debaixo das saias como uma ostra egoísta impedindo seu vôo? As asas estão abertas longe de mim, mas ouço seu rufar macio nas noites silenciosas. E estou feliz por eles.
O gnomo gargalhou.
Está pensando no tempo que me arrebata? Tudo tem seu momento. Não posso ter mais a beleza antiga. Estas rugas são vida e o cabelo tão ralo já nem me aborrece mais. Encontrei uma paz neste outono tranqüilo.
Ele me olhou malicioso.
Quer saber do que mais? O tempo que passou levou muito de mim, mas me deixou inteira. Estou aqui ainda, no mesmo lugar
Parei estarrecida.
O gnomo saltou, deu piruetas e se encarapitou de novo no banquinho cantarolando com a voz anasalada:
“No mesmo lugar... no mesmo lugar...”
Matei mais um gnomo, devo confessar.
Eu sei que sou feliz.
Gnomos são estúpidos.
Mas é melhor não deixar mais nenhum pra encarar.
8 Comments:
Gnomos não sabem de nada,não é verdade???
Onde se viu pensar que o tempo possa ter roubado alguma coisa? Que a juventude faça falta? Marido e filhos...qual o quê...
Bem que fizeste em acabar com ele.
Sem dúvida. Mas...
kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Esses gnomos...essa vida...
Mhel, foi esse texto que me fez olhar vc pela segunda vez. Pode-se dizer que foi paixão à primeira leitura!
beijos
mais um em que o final arrebata pela ironia e maldade poética.
grande personagem, esta.
beijo
rubens
Não sei quem é você, mas cheguei aqui pelo nome do blog que vi de relance num blog amigo.
Já gostei a citação do Calvino, que eu adoro. Fui descendo... e parei neste texto, que já li três vezes, encantada.
Já aviso que vou passear por todos os outros posts e voltar muitas vezes.
heheh..vou mandar, pros teus arquivos musicais, a toada "Eu vi gnomos", do grupo gaucho Tihuana. Beleza, tambem, a epigrafe (sou suspeito pra falar de Calvino, ne?) e a imagem.
Beijo.
o que esses gnomos pensam que sabem da vida da gente?
belo texto. palmas.
Lindo texto Mhel. Seria esse gnomo um cronópio?
beijo
Turquesa, o nome do seu blog é giríssimo! Adorei o seu conto. Pela ironia, pela forma como dá a volta ao maravilhoso e à realidade. Dei com o seu blog por ter clicado Leonor Fini. Parabéns! Ana Sousa
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