Pintura - Milton Sobreiro
Numa tarde com gatos e uma canção
Você abre a geladeira e o ovo está lá. Único sobrevivente do pesadelo.
Longe alguém canta em surdina:
Minha vida que parece muito calma...
Você reconhece a música - CD da Betânia, milhas navegadas para trás.
A voz continua docemente:
tem segredos que eu não posso revelar...
Você sabe que tem.
Olha o Ovo com certa ternura.
Fecha a geladeira. Lá fora o sol em gatos preguiçosos, chão quadriculado de sombras. Brisa ultrapassa a janela e cortinas voam.
Você pensa fortemente em verões, mas segura a lembrança nas pálpebras com mão febril.
De alguma janela basculante e suja:
escondida bem no fundo de minh’alma...
Você pensa: o que é alma?
Numa esquina qualquer, a buzina.
Você senta na mesa, alisa o pano quadriculado - azul e branco, como o uniforme do colégio. Onde andará Madre Teresa?
Morta e enterrada.
Abre a geladeira. Não tem fome, não sente nada. Olha o ovo em sua brancura gelada. É você.
não transparece nem sequer por um olhar...
Um olhar para onde? Quem iria procurar na íris castanha? Ninguém telefona, ninguém. A voz doce continua, quase Betânia, você pensa: é bonito...
Anda sempre conversando a sós comigo...
Você continua a música baixinho, mão na porta, bafo gelado vindo da luminosidade:
uma voz que eu escuto com fervor...
O sol aumenta seus domínios sobre o assoalho. Um gato miou.
Você pega o ovo, o último pedaço de pão.
Fecha a porta suavemente. Deixa o ovo na mesa e volta para apanhar as gotas.
Coloca muitas, todas.
O sol alcança o tapete puído. Os gatos se calaram.
Transformou meu coração em seu abrigo... e dele fez...
O Ovo rola lentamente pelo encerado.
Você fecha os olhos.
Ele se espatifa no chão
um roseiral em flor...
Você nota como a gema se espalha suavemente alcançando o sol.
E você cai.
Numa tarde com gatos e uma canção
Você abre a geladeira e o ovo está lá. Único sobrevivente do pesadelo.
Longe alguém canta em surdina:
Minha vida que parece muito calma...
Você reconhece a música - CD da Betânia, milhas navegadas para trás.
A voz continua docemente:
tem segredos que eu não posso revelar...
Você sabe que tem.
Olha o Ovo com certa ternura.
Fecha a geladeira. Lá fora o sol em gatos preguiçosos, chão quadriculado de sombras. Brisa ultrapassa a janela e cortinas voam.
Você pensa fortemente em verões, mas segura a lembrança nas pálpebras com mão febril.
De alguma janela basculante e suja:
escondida bem no fundo de minh’alma...
Você pensa: o que é alma?
Numa esquina qualquer, a buzina.
Você senta na mesa, alisa o pano quadriculado - azul e branco, como o uniforme do colégio. Onde andará Madre Teresa?
Morta e enterrada.
Abre a geladeira. Não tem fome, não sente nada. Olha o ovo em sua brancura gelada. É você.
não transparece nem sequer por um olhar...
Um olhar para onde? Quem iria procurar na íris castanha? Ninguém telefona, ninguém. A voz doce continua, quase Betânia, você pensa: é bonito...
Anda sempre conversando a sós comigo...
Você continua a música baixinho, mão na porta, bafo gelado vindo da luminosidade:
uma voz que eu escuto com fervor...
O sol aumenta seus domínios sobre o assoalho. Um gato miou.
Você pega o ovo, o último pedaço de pão.
Fecha a porta suavemente. Deixa o ovo na mesa e volta para apanhar as gotas.
Coloca muitas, todas.
O sol alcança o tapete puído. Os gatos se calaram.
Transformou meu coração em seu abrigo... e dele fez...
O Ovo rola lentamente pelo encerado.
Você fecha os olhos.
Ele se espatifa no chão
um roseiral em flor...
Você nota como a gema se espalha suavemente alcançando o sol.
E você cai.
5 Comments:
Um belo conto que eu já conhecia...este título é ótimo.
Beijos
Tem algo nesse conto que me arrepia, mas não sei dizer o que é exatamente.
Muito interessante.
Mas por que ovo as vezes vem com letra minúscula e as vezes com maiúscula?
Beijos
te voglio bene, sai.
Olá, só uma coisa: como você chegou até o portfolio do Milton Sobreiro? Eu criei o site pra ele mas pouca gente tem o link, pura curiosidade mesmo...
Felipe, eu não lembro exatamente, mas deve ter sido garimpando imagens. Adorei este trabalho dele que tinha tudo a ver com meu texto. Eu fui artista plástica anos, parei para me dedicar a escrever mas não perdi o amor pela arte visual.
Parabéns pelo site. Você poderia me dar o link de novo?
um abraço,
Helena
Nossa, nunca mais entrei aqui, desculpa, o site do meu pai é
www.milton.sobreiro.com
:)
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