Monday, March 06, 2006

Pintura - Francis Bacon (Head)


Marte no Coração


Desligou o rádio.

Coração estava longe dali. Em um ponto de fusão para o tédio, queimando sem motivo.

Tudo estava perfeito e no lugar. O bule cantando na cozinha, seu homem no jardim cuidando das flores. Por que Marte crescia dentro, lembrança desesperada?

Arrumou os cabelos e saiu para o sol. A nuca bronzeada aparecia entre os fios grisalhos. Curvado sobre as flores, mexia na terra, com amor. Como fazia com ela, tantas vezes, sempre igual. Marte se tornou enorme, oprimindo o coração.

Cansaço, milhares de pratos, panelas e copos rodopiando, bailado perfeito. O cheiro de jasmim ficou quase insuportável. Naquele tempo em que era possível acreditar.

Cabeça doía, luz incomodava os olhos. Pisou de leve no gramado se inundando de azul. Por que não podia retomar a emoção? Recomeçar a música?

Entrou de novo na sala escura e Marte avançou gigantesco, incomensurável, sufocando, destruindo lembranças. Marte, absurdo, inesperado, sonho distante do impossível. Marte e a casa silenciosa. Um rio de ilusões perdidas, cotidianamente esmagadas na sua boca amada.

Olhou cada objeto, a cama, a mesa, o fogão. As prateleiras de livros, o som, o piano. A concha e a colher, caneca e escova de dentes. Os CDs arrumados na ordem. Marte evoluía no seu corpo. Empurrava tudo, destruía.

Ele voltou e sorriu. Ombros cansados, olhos antigos.

Apanhou a arma carinhosamente. Destravou o gatilho, colocou no peito, onde o coração sumira.

Marte explodiu, finalmente, em mil pedaços

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Mehel, Mehel...!
O que uma filha de Marte pode dizer de seu texto???
Ufa!!!! Sua fase profunda nos brinda com uma explosão onde se escuta o coração batendo rápido.
Beijos e parabéns!

10:53 AM  
Blogger Cláudio B. Carlos said...

Oi!

Passando...

*CC*

8:01 AM  
Anonymous Anonymous said...

Menina, que texto forte! Toda a felicidade terrena não conseguiu apagar-lhe a lembrança maior de seu 'verdadeiro espaço'.
Como sempre, consegues me fazer visualizar a cena.
beijos.
Teu poema tá estourando lá nos Plátanos. Adoraram.

11:15 AM  

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