Tuesday, October 14, 2008

40 Anos sem Bandeira





Evocação de Bandeira


Meu tio, Manuel.
Não o parente famoso
Que assombrou meus jantares de menina
Nem mesmo o que me deu a fábula traduzida
Com versinhos delicados para a criança que eu era
Não o sorriso dentuço, a voz anasalada
Que no disco antigo recitava
boi morto, boi morto
boi descomedido
boi espantosamente
Meu tio, Manuel
E a dedicatória em charada
Para o dicionário da menina
apaixonada por enigmas
Ama ri ah e lê
Na Bandeira
Do tio Manuel
Não o franzino parente
Que visitei já doente
Na Teresópolis distante
Não a presença da morte
Não a doença constante
Mas a eternidade plena
Que só entendi bem tarde
No Itinerário
Da Pasárgada familiar
Meu tio, Manuel
Que me legou este amor
Pela palavra juntada
Para formar outras coisas
Meu tio cinza das horas
De versos como quem morre
A memória permanece
Intacta, solta no ar
Mas é lá longe no reino
Onde o rei é nosso amigo
E Joana a Louca de Espanha
Vem a ser contra parente
que nos descobrimos juntos
ligados
Profundamente

********

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


*************

Canção das duas Índias


Entre estas Índias de leste
E as Índias ocidentais
Meu Deus que distância enorme
Quantos Oceanos Pacíficos
Quantos bancos de corais
Quantas frias latitudes!
Ilhas que a tormenta arrasa
Que os terremotos subvertem
Desoladas Marambaias
Sirtes sereias Medéias
Púbis a não poder mais
Altos como a estrela-d'alva
Longínquos como Oceanias
- Brancas, sobrenaturais
Oh inacessíveis praias!...

************

O CACTO


Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária!Laocoonte constrangido pelas serpentes.
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, carnaubais, catingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia:
- Era belo, áspero, intratável.


***************

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Ah, um tio coberto de carinhos.Muito além do simples significado destas tres letrinhas reunidas. Um sonho que ficou para sempre. Um sonho do qual não mais acordaste e que te diz, a cada instante,que ele é real. Que ele é. Que ele sempre será.
Ah,teu tio Manoel. Este, ninguém terá. Nem mesmo o seu mais ardoroso fã,conhecedor de todas as suas obras. A ele entrega-se o poeta, o Bandeira, mas, a tua alma, e apenas ela, tem a visão e lembrança descritas de forma tão sensacional e emocionante.
Beijos por teu carinho a ele e pela belíssima herança recebida.

3:43 PM  
Blogger Rubens da Cunha said...

vida longa à genética :))
abraços

4:15 PM  
Anonymous Anonymous said...

Helena, gostaria muito de te entrevistar para uma reportagem sobre os 40 anos da morte de Bandeira.

Porém, tenho pouquíssimo tempo. Meu prazo é segunda-feira.

Se puder, por favor, entre em contato comigo antes disso. O e-mail é gaia7@uol.com.br e o telefone 11 7170-7675.

Muito obrigada!

um abraço.

11:30 AM  

Post a Comment

<< Home


Web Hosting Services