Sunday, August 27, 2006

23 de agosto

EU

“Eu sou o mundo que tornei significativo. Sem a minha consciência, não existe. Está perdido para mim, como eu estarei perdida dele. Eu sou o universo e ele sou eu.”

“não acredite em mim quando minto, eu minto para que tenha significado”

pintura - Leonor Fini

trechos da minha entrevista no Orkut ao Marcelo Ferrari na comunidade Caneca na Rede

“E o que é ficção na realidade?

Construímos nossa ficção do real a cada escolha que fazemos, a cada caminho seguido.
A realidade é o romance escrito por nós a partir da pauta que recebemos para trabalhar – nossa contingência e os acidentes aleatórios.
A diferença é que na ficção construímos também esta contingência e estes acidentes. Na ficção a realidade está sob controle.
Ainda que o controle dependa de uma variável que é o autor – seus humores e motivações - conscientes e inconscientes.
Por isto um personagem parece ganhar vida própria. Mas nunca consegue sair da prisão da mente que o criou.
Somos o deus das nossas obras. Talvez nós também sejamos criações literárias, julgando ser livres. Quem pode dizer com certeza?
Ou talvez sonhemos o mundo, como dizia Borges.”
“ ....a realidade do sonho é o sonhador.
E assim como o escritor escreve para um leitor ideal e o constrói com seu desejo, o leitor faz o livro. Cada um deles lê uma obra diferente.
Ao olhar para uma paisagem, vemos por um ângulo pessoal, destacando o que nos impressiona mais – um colocará os mendigos, a realidade social em primeiro plano, outro, a natureza, o céu, as árvores, outro ainda, o corpo das mulheres que passam e assim sucessivamente.
Se um cineasta filmasse nossas impressões desta paisagem, nunca seria o mesmo filme, embora o enredo, a base, fosse igual.
Com o livro é exatamente assim – cada leitor vai destacar aquilo que mais o sensibiliza. Para uns será a história, para outros o estilo, etc E mesmo na história, obviamente, cada leitor destacará passagens especiais.
Tudo é perspectiva. Eu acredito nisto. Então cada livro lido se tornará o livro daquela pessoa específica.
E a grande obra é aquela que consegue, de uma certa forma, unificar estas visões em uma emoção universal.”
“---Criatividade é a forma nova de ver o mesmo.
Não dá para inventar do nada, nossa matéria prima é o real, é dele que partimos até para desconstruí-lo ou negá-lo.
Mesmo para imaginar uma sociedade marciana, parto da minha concepção do que seja a palavra sociedade, do que seja Marte, um planeta, etc
A moeda do criativo é o olhar. É a forma pessoal e intransferível de ver o mesmo que dá a medida do criador. Não inventamos do nada absoluto, mas do que aprendemos ao longo da formação da nossa percepção na relação com o que nos cerca.
Então o criativo dá esta sua contribuição única do olhar renovador que transforma, transfigura o já visto e o já pensado.
A criatividade é uma tentativa de ruptura do conhecido pelo criador, um estupro do real com o tesão de uma visão única. Quanto mais pessoal for esta ruptura, esta projeção da sua percepção, mais criativos serão a obra ou o pensamento.”



”... eu tenho medos abissais, angústias terríveis, mas tudo se resume ao medo do desconhecido e da morte, em última instância, medo da perda.
Voltando circularmente ao início da entrevista, eu disse que não gostava de ter uma imagem fixada. Porque significa perder todas as outras. Meus fantasmas estão escondidos atrás da cortina do não sei..... O que não entendo me mata.
Não entender é perder o significado oculto. A morte é a perda total - de amigos, amores, amados, de identidade. Perder a memória é perder o significado pessoal, morrer em um eterno presente sem referencias ou ligações...
Este é meu fantasma principal. A cortina que me separa do não ser. Da perda daquela que constrói tudo que me rodeia. Eu sou o mundo que tornei significativo. Sem a minha consciência dele, não existe. Está perdido para mim, como eu estarei perdida dela. Eu sou o universo e ele sou eu. Enquanto penso que ele existe."

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