Tuesday, April 25, 2006



Terceiro Lugar:

NOITE ESTRELADA
Heloisa Saraiva



Ela se sentou, respirou fundo.

Desktop, NE, um, dois, vamos lá. Pronto: um clarão na tela e logo apareceu o céu estrelado - a porta de entrada. E lá estava ela, feliz da vida, caminhando pelas ruas estreitas de uma cidade medieval. Ela, a prostituta de dentes branquíssimos que seduz o príncipe e muda-se para o castelo. Em poucas horas seria o casamento, mas ao invés do vestido de noiva tudo o que vê é a noite estrelada: a porta de saída. Que diabo, pensou, tinha que ser agora? O banquete ainda nem estava servido e ela já expulsa de sua pasárgada, de volta à tela vazia e à solidão do quarto, sem falar do despertador e da inevitável dor de cabeça, companheira constante quando a raiva lhe esquentava o sangue. Antes de tomar um comprimido, tentou outra vez.

Desktop, NE, um, dois, vamos lá. De novo o céu estrelado, a noite explodindo em luzes como fogos de artfício. Está no espaço, no comando de uma nave prateada, vendo os anéis de Saturno e os asteróides em forma de diamante. Seus comandados lhe perguntam qual o próximo objetivo, ela aponta a Terra: não há planeta mais atrasado, acreditem. Aumenta o movimento, soam as sirenes avisando da iminência do ataque. Preparam-se todos. Não dá tempo. A noite estrelada invade a nave e tudo se escurece. O quarto parece ainda mais sombrio, a janela mais estreita. Deitou-se na cama, lambeu as lágrimas: teria por acaso cara de idiota?

Procurou o representante da firma que lhe vendera o programa. Não podia tolerar que tudo acabasse no melhor da festa, era pior que tirar doce de criança. A empresa aceitou a queixa e garantiu que tudo seria rapidamente resolvido. Brilho de esperança e sorvete para comemorar. Amanhã.

Finalmente. Desktop, NE, um, dois, vamos lá. E mais uma vez a noite estrelada com suas luzes e promessas. Mas ué, onde estou? Justamente no escritório, o cinzento escritório de todos os dias. Outro defeito? Talvez não. Havia medo nos olhos de todos e ela tinha uma potente metralhadora nas mãos. Sorriu, acionou a arma. E foi-se o chefe, o subchefe, a secretária tão loura quanto insuportável, todos desmoronando como castelos de areia. Sange, gemidos, uns tentavam correr mas eram alcançados antes de chegaram à saída. Quando não havia mais um em pé, voltou-se contra as máquinas, as lâmpadas, os armários. Até que disse: chega. Sentou-se no chão, esperou. Já começava a sentir saudades do chinelo velho e da cama macia, onde está você noite estrelada? Os olhos ardiam, a garganta queimava, fumaça, fumaça, e as labaredas, cada vez mais perto. Aproximou-se da janela, jogou-se nos braços da noite que chegava devagar.. Estrelada? Não. Céu encoberto, chuvas ocasionais.


0 Comments:

Post a Comment

<< Home


Web Hosting Services